Lesley Edwards esclarece o papel da autoconsciência na construção do amor próprio.
Construir autoestima é falar sobre uma profunda transformação pessoal. Não acredito que podemos descobrir nosso verdadeiro valor sem fazer um esforço para mudar, sem ter a coragem para nos olharmos diretamente nos olhos, avaliar o que vemos e então prosseguir a partir dali.
Certa vez, estava mostrando para uma classe de crianças de 6 anos de idade alguns quadros que ilustravam o ciclo de vida da borboleta e perguntei-lhes como achavam que isso acontecia. A face de um pequeno menino iluminou-se e ele exclamou: “Eu sei, a lagarta tem o coração de uma borboleta!”. Que sábia alma velha. É verdade que se soubermos, dentro de nossos corações, em que queremos nos tornar, então nos tornaremos aquilo.
Uma amiga percebeu recentemente que ela só era capaz de se ver através dos olhos de outras pessoas. Um conselheiro perguntou-lhe como se via, e ela respondeu que as pessoas a achavam atraente, inteligente e divertida. Posteriormente, ao ser questionada a respeito do que ela via, percebeu com horror que não via nada, só um reflexo dela mesma nos olhos de outras pessoas, experimentando um profundo sentimento de estar desconectada de si mesma.
É um sentimento assustador quando não sabemos quem somos. E muitos de nós não sabemos, ou chegamos a um ponto na vida onde buscamos seriamente um pouco de clareza. Nunca houve um tempo em que nós estivemos com mais necessidade de buscar algo como uma simples e velha sabedoria – a espiritual, ao invés de uma explicação material de quem nós somos. Por muito tempo fomos surpreendidos com uma identidade baseada em fatores externos como nosso trabalho, aparência, talentos e relacionamentos. Olhamos as outras pessoas, situações e circunstâncias para nos definirmos, para nos afirmarmos e para serem a fonte de nosso prazer. Nós nos perdemos ao nos compararmos com os outros e ao nos medirmos a partir de padrões materiais de sucesso e de realizações.
Começar a nos recuperar dessa confusão significa uma mudança de percepção de autoconsciência física para autoconsciência espiritual ao nos vermos como uma alma ou consciência espiritual que está além da forma. O estado natural da alma é força interna, e a expressão mais elevada da alma é expressar aquela força na forma de amor, confiança, coragem, e muitas outras qualidades positivas. Ter nosso centro de gravidade firmemente ancorado nessa parte de nós torna-nos maiores que o detalhe de nossas vidas diárias. Dessa forma, para qualquer desafio que a vida nos apresente, podemos ficar firmes e sólidos. Ter uma experiência do Eu “traz um sentimento de estar em um terreno sólido dentro de si mesmo, num pedaço de eternidade o qual nem sequer a morte física pode tocar…” (Marie-Louise Von Franz).
É um grande desafio trabalhar com uma visão de si mesmo que está além da imagem! – para sua borboleta ter asas de compaixão, coragem, paz e amor ao invés de promoção, beleza, riqueza e sucesso! Ainda assim, tenho visto muitas pessoas que meditam pela primeira vez conectadas com essa realidade interna, suspirando aliviadas e compartilhando experiências de uma liberdade interna e leveza que nunca haviam sentido antes.
É claro que o verdadeiro desafio vem na integração dessa experiência na vida diária. A autoconsciência espiritual não significa ignorar seu mundo físico, social e emocional, mas usar isso para lhe dar a força do poder, as ferramentas e forças para trazer a cura e mudança em todas as áreas de sua vida. Quando não há uma consciência espiritual, você pode se pegar tentando fazer mudanças superficiais quando as coisas dão errado, como colocar enfeites e decorações em cima de uma estrutura que está cedendo ou pôr mais cobertura em um bolo podre – o equivalente a comprar mais roupas, comer mais comida, ou beber mais álcool quando você se sente deprimido. Sem uma prática espiritual como a meditação, você pode saber muito bem que mudanças nas atitudes e comportamentos seriam boas para você, mas, simplesmente, não tem energia ou poder para colocá-las em prática.
A energia e a força interna experimentadas na meditação o equipam com as armas certas para lutar uma guerra não violenta – armas como paciência, tolerância, perdão, compaixão, aceitação e generosidade. O quão profundamente acreditamos em nossos egos positivos e o quão reais tenham sido as experiências de nosso eu espiritual, essa realidade será inevitavelmente desafiada. Você pode acreditar ser uma alma pacífica, amorosa, mas será que consegue manter essa experiência face a doenças ou críticas? Uma consciência espiritual significa estar sempre pronto com as armas certas, onde batalha e vitória são uma oportunidade para a alquimia. Onde havia medo, deixe que haja coragem, onde havia mentiras e ilusões – verdade; onde havia raiva – aceitação; onde havia feridas – perdão. Ataques não virão somente de fora. Nossa autoimagem é feita de camadas e camadas de experiências passadas dentro do nosso próprio subconsciente na forma de hábitos profundamente arraigados de padrões negativos de pensamento e comportamento. Mudança duradoura e curativa requer um compromisso profundo para fazer emergir ouro a partir do chumbo.
Ao despertarem para a sua espiritualidade, as pessoas tipicamente descobrem um senso de propósito e significado na vida. Isso não deveria ser somente uma sensação passageira! O desafio é viver diariamente com um senso de significado e propósito. Será que você entende o significado dos papéis que desempenha, o trabalho que faz, os talentos que tem? Esse é um campo minado em potencial de tensão, frustração e tédio, de sonhos não realizados e sentimentos de fracasso. Ainda a partir de uma perspectiva espiritual, tudo o que você faz é apresentado exatamente com o que você precisa para seu crescimento e mudança interna. Você pode precisar estar em uma situação para aprender paciência e humildade. Você pode estar explodindo para mudar as coisas em um nível externo, mas a melhor coisa que pode fazer, agora mesmo, é mudar sua atitude e percepção frente ao que faz. E então, esperar pacientemente pelo momento quando a mudança que acontecerá não será uma reação contra algo ruim, mas uma escolha consciente para se mover em direção a algo bom.
O que significa traduzir autoconsciência espiritual em suas relações com outras pessoas? Você é capaz de amar? Você se ama bastante para amar outras pessoas? – considerando o amor como um verbo e não algo que será achado numa pessoa ideal, ou numa situação ideal? – sendo tão comprometido para ver ouro em outras pessoas assim como você vê o ouro em você, apreciando o quão profundamente conectadas estão essas duas percepções? Quando nossos recursos internos estão fracos não conseguimos suportar os ataques e defesas de outras pessoas, e a coisa mais fácil que acontece é realçar suas fraquezas como um modo de evitar a responsabilidade por aquilo que estamos sentindo. Ser estável em nossa própria consciência do eu espiritual é ser capaz de reverter as coisas ao nosso redor, de forma a enfrentar alguém vindo de um contexto de raiva, medo ou ciúme. Passo a não ser ameaçado, mas posso desarmar a negatividade do outro ao vê-lo além daquilo, a partir de sua bondade. Para manter essa visão precisamos de muito poder espiritual. Quando você está cansado e com sua energia em baixa, apega-se à aparência externa das coisas e é muito mais fácil culpar, criticar e derrubar os outros.
A verdadeira consciência do eu é ver e aceitar o completo ciclo de vida de mudanças – que é a lagarta, o casulo e então, a borboleta; assim como o alquimista que usa o chumbo para fazer ouro e a luz do dia que sempre segue a noite. Uma perspectiva espiritual dá uma compreensão dessa história completa e permite ver a história de algum lugar “fora de” ou “além de” você, sem se prender muito a qualquer pormenor. Isso lhe permite ver fraqueza e força com equanimidade e estabilidade; vendo a fraqueza como uma realidade temporária, mas não a parte final da verdadeira identidade; vendo a fraqueza como o avesso da força e sempre fazendo a escolha para se mover de encontro à luz, movendo-se para o ouro e movendo-se para o voo.
Sem ver todo o quadro, é muito fácil ficar preso a uma pequena parte da história. Muitas pessoas podem aceitar suas fraquezas, mas não suas forças. Quando indagados a listar coisas positivas e negativas sobre eles, a lista negativa vem mais fácil e é bastante longa! Talvez se sintam mais seguros ao ficarem em terreno familiar: “É minha personalidade ser assim”, “Eu não posso mudar, eu nasci assim!”. Ver a si mesmo em uma luz positiva é sair da zona de conforto em direção a um território perigosamente desconhecido. Faz-me lembrar das crianças cujo único modo de alcançar e estabelecer contato com os outros é por violência física, pois é a única linguagem que eles conhecem. Para elas, as estratégias de buscar atenção resultam em serem constantemente advertidas. Mas, através disso, adquirem exatamente o que querem: atenção. Para aqueles cujas novas e subsequentes experiências de vida foram caracterizadas pela dor e o sofrimento, é necessário um esforço hercúleo de vontade e coragem para dar um passo além disso e entrar numa linguagem de amor.
Talvez menos comum, mas certamente um perigo potencial, é quando aceitamos nossas forças, mas vamos por vários caminhos a fim de evitar enfrentar e aceitar as fraquezas. Nenhum de nós é perfeito, e até mesmo as almas mais grandiosas têm um lado de sombra. E essa sombra tem de ser vista e abraçada se quisermos continuar crescendo. Coragem só pode vir ao se enfrentar o medo. Compaixão só pode vir ao se compreender a raiva. A paz que podemos experimentar está somente em contraste ao caos. Toda fraqueza é a força fora de equilíbrio: um sentimento de inutilidade pode ser humildade distorcida, e arrogância pode ser confiança por razões erradas.
É uma arte olhar para a Bela e para a Fera com equanimidade. E a maior ameaça a isso é o medo. O medo é o grande espelho distorcido. Olhamo-nos no espelho e vemos a Fera, e ficamos com a Fera, porque ela diz “Eu não tenho nenhum motivo pelo qual viver” e tem muitas desculpas para não ter de fazer qualquer coisa. Ou, nós olhamos para dentro do espelho e vemos a Bela e ignoramos a Fera. E se a Fera não adquire pelo menos um aceno de reconhecimento, ela nos perseguirá, levando-nos ao labirinto de nosso subconsciente, demandando sacrifícios – uma oportunidade perdida aqui, uma relação danificada lá. Ela fará a sua cabeça, manifestando-se como projeções, negações, desculpas e distorções da verdade. Assim, a Bela tem de se apaixonar pela Fera para transformá-lo num príncipe. E o único modo para a Bela amar a Fera é ir além do medo. Olhe para dentro do espelho e veja além da Fera. Somente veja a luz. A luz preenche você com o amor e a coragem para enfrentar e transformar suas fraquezas, junto com a força para expressar sua determinação.
Por dezesseis anos, Lesley Edwards dedicou-se ao desenvolvimento espiritual interior com a Brahma Kumaris. Sua carreira levou-a a ensinar, e ela se entregou de coração a seu trabalho com crianças em diversas escolas de Londres. Permaneceu igualmente comprometida com sua busca espiritual. Como estudante e professora na Brahma Kumaris, ela foi um membro muito amado e respeitado na família BK. Por quase quatro anos, conduziu uma grande batalha interior com a esclerose múltipla e, por fim, o câncer. Faleceu em junho de 1999, mas o legado que deixou nos corações e mentes de todos que a conheciam foi a visão de imensa coragem, serviço altruísta e aceitação serena de seu papel entre nós nesta vida.
Durante seus últimos cinco anos, uma de suas principais áreas de foco foi o desenvolvimento da autoestima. Ela desenvolveu e conduziu cursos pelo Reino Unido, compartilhando tudo o que aprendeu em sua própria jornada. Este é o primeiro de dois artigos que ela escreveu antes de sua morte. Como você viu, pela maneira profunda e articulada com que discorre sobre esse importante tópico, ela realizou seu trabalho interno e nos falou diretamente de sua própria experiência.